sexta-feira, 20 de maio de 2011

Aprendendo a pensar curso e-proinfo

APRENDENDO A PENSAR
Stephen Kanitz
A maioria das aulas que tive foi expositiva. Um professor, normalmente mal pago e por isso malhumorado,
falava horas a fio, andando para lá e para cá. Parecia mais preocupado em lembrar a ordem exata
de suas idéias do que observar se estávamos entendendo o assunto ou não.
Ensinavam as capitais do mundo, o nome dos ossos, dos elementos químicos, como calcular o ângulo
de um triângulo e muitas outras informações que nunca usei na vida. Nossa obrigação era anotar o que o
professor dizia e na prova final tínhamos de repetir o que havia sido dito.
A prova final de uma escola brasileira perguntava recentemente se o país ao norte do Uzbequistão era
o Cazaquistão ou o Taddjiquistão. Perguntava também o número de prótons do ferro. E ai de quem não
soubesse todos os afluentes do Amazonas. Aprendi poucas coisas que uso até hoje. Teriam sido mais úteis
aulas de culinária , nutrição e primeiros socorros do que latim, trigonometria e teoria dos conjuntos.
Curiosamente não ensinamos nossos jovens a pensar. Gastamos horas e horas ensinando como os
outros pensam ou como os outros solucionaram os problemas de sua época, mas não ensinamos nossos filhos
a resolver os próprios problemas.
Ensinamos como Keynes, Kaldor e Kalecki, economistas já falecidos, acharam soluções para um
mundo sem computador nem internet. De tanto ensinar como os outros pensavam, quando aparece um
problema novo no Brasil buscamos respostas antigas criadas no exterior. Nossos economistas implantaram
no Brasil uma teoria americana de “inflation targeting”, como se os americanos fossem os grandes
especialistas em inflação, e não nós, com os quarenta anos de experiência que temos. Deu no que está aí.
De tanto estudar o que os intelectuais estrangeiros pensam, não aprendemos a pensar. Pior, não
acreditamos nos poucos brasileiros que pensam e pesquisam a realidade brasileira nem os ouvimos.
Especialmente se eles ainda estiverem vivos. É sandice acreditar que intelectuais já mortos, que pensaram e
resolveram os problemas de sua época, solucionarão problemas de hoje, que nem sequer imaginaram.
Raramente ensinamos os nossos filhos a resolver problemas, a não ser algumas questões de matemática, que
normalmente devem ser respondidas exatamente da forma e na seqüência que o professor quer.
Matemática, estatística, exposição de idéias e português obviamente são conhecimentos necessários,
mas eu classificaria essas matérias como ferramentas para a solução de problemas, ferramentas que ajudam a
pensar. Ou seja, elas são um meio, e não o objetivo do ensino. Considerar que o aluno está formado,
simplesmente por ele ter sido capaz de repetir os feitos intelectuais das velhas gerações, é fugir da realidade.
Num mundo em que se fala de “mudanças constantes”, em que “nada será o mesmo”, em que o
volume de informações “dobra a cada dezoito meses”, fica óbvio que ensinar fatos e teorias do passado se
torna inútil e até contraproducente. No dia em que os alunos se formarem, mais de dois terços do que
aprenderam estarão obsoletos. Sempre teremos problemas novos pela frente. Como iremos enfrentá-los
depois de formados? Isso ninguém ensina.
Existem dezenas de cursos revolucionários que ensinam a pensar, mas que poucas escolas estão
utilizando. São cursos que analisam problemas, incentivam a observação de dados originais e a discussão de
alternativas, mas são poucas as escolas ou os professores no Brasil treinados nesse método do estudo de
caso.
Talvez por isso o Brasil não resolva seus inúmeros problemas. Talvez por isso estejamos acumulando
problema após problema sem conseguir achar uma solução.
Na próxima vez em que seu professor começar a andar de um lado para o outro, pense no que você
está perdendo. Poderia estar aprendendo a pensar.
Stephen Kanitz é administrador
Revista VEJA, 07 de agosto de 2002

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